ABIC Entrevista: Rosângela Melatto, Diretora Presidente da ABRAPS

A especialista conversou com o JC sobre a importância do ESG e o seu impacto no agronegócio, além de dar dicas para potencializar atitudes sustentáveis e de bem-estar social nas empresas

entrevista rosangela melatto
13/09/2021
Publicado em

Seja no mundo do agronegócio ou fora dele, a sustentabilidade é um tema que está no centro das atenções. O conceito de ESG, que já foi tratado aqui no Jornal do Café, é utilizado para avaliar as práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa. Para nos explicar um pouco mais sobre essa iniciativa e os seus impactos positivos do meio ambiente e sociedade, o JC conversou com Rosângela Melatto, consultora,  mestre em Cidades Inteligentes e Sustentáveis e Diretora Presidente da ABRAPS – Associação Brasileira dos Profissionais pelo Desenvolvimento Sustentável.

Rosângela Melatto

Qual a importância do ESG?

O engajamento de empresas, sociedade civil e governos no ESG é importante à medida que garante que as atividades econômicas sejam realizadas de forma a preservar o ambiente, a vida e as relações entre as pessoas. A necessidade que temos de agir sobre as questões ambientais é mais que evidente, especialmente, no momento em que atravessamos uma pandemia. Toda ação humana desencadeia uma reação no meio ambiente, seja favorecendo ou não a vida dos seres humanos. Mais do que nunca, precisamos nos tornar conscientes de nossa responsabilidade em preservar a natureza e a nossa própria vida. Nas relações humanas, as questões sociais vão além de assistir as pessoas, mas respeitá-las dignamente. O “S” do ESG coloca luz, por exemplo, na promoção de medidas de inclusão e equidade. E a governança, um dos temas que não falamos tanto, nos alerta para o fato de que não basta fazer as coisas certas, mas sim tomar atitudes corretas.

Quais as iniciativas que as empresas e as instituições podem tomar para atender aos parâmetros exigidos?

Muitas empresas já fazem o que é necessário para cumprir a agenda ESG. Mas, não se dão conta. Podemos citar como exemplo: tratar as questões de investimento social privado, através de uma estruturação de forma planejada e monitorada com foco em projetos sociais, educacionais e culturais; articular parcerias que fomentem o diálogo e participação do poder público, empresas e comunidades em projetos de interesse público; escolher os projetos nos quais irá investir através de editais e desenvolvimento de estratégias para identificação e seleção de projetos alinhados ao ESG; sistematizar modelos e fluxos processuais, como ferramentas para gestão do conhecimento; utilizar ferramentas de avaliação e indicadores de resultados de programas existentes ou ainda fazer um completo diagnóstico social e ambiental para implantação de novas iniciativas; educar para a sustentabilidade através de treinamento e de capacitação em temas correlatos; utilizar ferramental customizado e indicadores; desenhar políticas e diretrizes; estruturar um modelo de voluntariado empresarial que tenha a ver com a vocação da empresa, estruturando um modelo, mapeando  oportunidades, fazendo a capacitação, o monitoramento e a avaliação de resultados; monitorar a cadeia de fornecedores, mapeando riscos, realizando avaliações, capacitação e sensibilização das áreas de negócios da empresa; desenhar estratégias para prevenção de riscos, envolvendo toda a cadeia de valor, desde o fornecedor, colaboradores e parceiros de negócios. Enfim, muitas destas iniciativas já são feitas, mas precisam ser coordenadas, mapeadas e divulgadas para assim criar a cultura ESG.

Quais os benefícios dessas mudanças para a empresa e seus funcionários?

Eu diria que transparência e credibilidade. Os clientes e consumidores hoje estão muito mais esclarecidos e passam a buscar empresas que tenham em seu DNA as características que buscam em uma empresa com a qual desejam fazer negócios. A credibilidade vem da transparência, pela prestação de contas, em mostrar como suas atividades estão relacionadas com o ESG, como divulgam suas ações. Os colaboradores têm orgulho em “vestir a camisa” e são os maiores divulgadores das ações, em seus contatos com clientes, fornecedores, em suas redes profissionais e sociais. Também, mostrou-se que o turnover (a rotatividade de pessoal, no contexto de Gestão de Pessoas, está relacionada com o desligamento de alguns funcionários e entrada de outros para substituí-los) diminui, tornando os custos de treinamento muito menores.

E para a sociedade?

A sociedade se beneficia da certeza de estar contribuindo para uma cultura de paz e prosperidade, o que de certa forma, é o que todos buscamos. Um lugar para se viver com saúde, com sucesso e com uma cultura de paz, que não é a ausência de guerra, mas sim um lugar onde existe um ambiente de confiança, com colaboração de uma rede construída com base no que é melhor para todos, de forma coletiva.

Quando falamos em ESG, como está o Brasil diante do mundo?

Estamos começando. A criação da cultura é importante. Muitas empresas brasileiras desenham diariamente modelos de melhoria em seus processos, em sua relação com colaboradores, com clientes e com fornecedores. Há ajustes, mas ainda caminhamos. Os investidores falam mais claramente de sua intenção em investir em empresas que tenham seus pilares econômicos, sociais e ambientais alicerçados na governança. O mundo faz negócios de forma a exigir transparência e  diversidade nos conselhos. Ou seja, é um período de adequação, mas eu diria, principalmente, de troca para melhores práticas.  Neste cenário, não há espaço para concorrência, mas sim colaboração.

ESG e agronegócio: como você avalia essa relação?

O agronegócio, por ser um dos segmentos menos afetados pela pandemia do Covid-19, que impactou a economia mundial em 2020, deve empenhar-se em dar o tom da orquestra: é uma oportunidade de mostrar que pode buscar projetos e formas de contribuir com a sociedade. O aumento da demanda doméstica por alimentos e a falta de oportunidades em um país de dimensões continentais como o Brasil, mostra caminhos pelos quais o agronegócio pode prosperar na construção de uma cultura ESG. Por exemplo, buscando investir no social, identificando as relações com as comunidades produtoras e comunidades do entorno tornando-as mais capacitadas e participativas, envolvendo assim toda a cadeia produtiva; antecipar-se com estratégias de pesquisa envolvendo clientes e área de negócios; conhecendo sua prática ambiental, social e de governança para alinhamento e criação de cultura ESG.

De que forma a indústria de café pode se adaptar a essa nova realidade?

Acredito que a questão mais importante no cenário atual não é simplesmente contratar um profissional de ESG para dizer que o que precisa ser feito, mas sim “virar a chave”. Todos os colaboradores de uma empresa são profissionais que podem atuar pelo desenvolvimento sustentável. Portanto, educar os colaboradores neste sentido é fundamental. Conscientizar sua força de trabalho, de que cada decisão tomada faz parte de uma rede que construirá uma cultura de mudança é importante. Não deixar de olhar para a vocação da empresa, ou seja, a cultura ESG tem que permear o conselho, a alta direção, e todo e qualquer colaborador com a compreensão de seu papel nesta construção coletiva. Muito mais do que atender os anseios do mercado, é promover uma mudança de pensamento, da forma de produzir e fazer negócios, de atualizar, de querer fazer com que suas ações sejam reconhecidas. Não é possível fazer isso com um único profissional que ocupa uma cadeira e tem um título. É sistêmico, depende de colaboração e engajamento. Este é o desafio dessa realidade ESG, que não é nova, mas que tem lugar nos holofotes do mundo nos dias atuais.

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Reportagem: Usina da Comunicação 

Colaboração: Paula Tavares

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