Na semana em que comemoramos os 30 anos do lançamento do Selo de Pureza, o Jornal do Café entrevista Jório Dauster, presidente do IBC na época

Jório Dauster e Carlos Barcelos Costa
27/08/2019
Publicado em

JC entrevista Jório Dauster

Mestre em Relações Internacionais pelo instituto Rio Branco, Jório Dauster fez estudos de economia na Universidade McGill (Montreal) e entrou para o serviço diplomático em 1961. Como diplomata serviu em Montreal, Praga e Londres e foi embaixador do País Junto à União Européia (1991 – 1998).

Foi presidente do IBC – Instituto Brasileiro do Café, no período de 1987 a 1990 e durante sua gestão à frente do IBC, ocorreram dois fatores marcantes para o setor: a criação do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira – FUNCAFÉ e o lançamento do Selo de Pureza ABIC, que celebra 30 anos no dia 30 de agosto de 2019.

Jório Dauster | foto: divulgação

JC – Como foram seus primeiros contatos com o café? 

Jório Dauster – Em 1961 fiz o I Curso de Economia Cafeeira do IBC, então presidido pelo Embaixador Frazão. Por conta disso, fui designado para a Delegação brasileira que, no ano seguinte, negociou o I Acordo Internacional do Café, que criou a OIC – Organização Internacional do Café. Em 1974, passei a cuidar dos assuntos de café no Ministério das Relações Exteriores, primeiro em Brasília e depois em Londres, quando representei o País na OIC numa época em que ainda vigoravam as cláusulas econômicas daquele que foi o mais importante acordo de produtos de base em toda a história. Em 1985 passei a chefiar o escritório do IBC em Londres, até ser designado presidente da Autarquia em 1987.   

JC – Quando assumiu a presidência do IBC, em 1987, como estava o mercado interno de café? 

Jório Dauster – Embora o Brasil fosse o terceiro maior mercado consumidor do produto, atrás apenas dos Estados Unidos e da Alemanha, o volume de compras vinha caindo sistematicamente. Tal queda era atribuída em geral à baixa qualidade do café vendido no País, sobretudo por ser misturado com palha e outros materiais que desmereciam a bebida. Essa situação era agravada pela falta de capacidade de fiscalização do IBC, que não tinha recursos para cumprir as funções que a lei lhe atribuía neste campo, bem como pelo fato de que os preços do produto eram tabelados pelo Governo com vistas a conter artificialmente os índices de inflação.

JC – Como o IBC recebeu a proposta da ABIC de um programa de autorregulamentação da Pureza do Café?

Jório Dauster – Na realidade, fui eu quem levou a proposta de criação de um sistema de autorregulamentação aos torrefadores brasileiros, e não o contrário, mas tive a felicidade de encontrar um grupo de líderes do setor que entendeu ser esta a única maneira de reverter as tendências de queda no consumo. Assim, num espírito de efetiva cooperação, em poucos meses conseguimos transformar em realidade o Selo de Pureza de Café, e a própria ABIC começou a apontar aqueles torrefadores que não cumpriam as normas então estabelecidas. O resultado mais importante foi a aceitação pelo público – em geral muito cético – de que o Selo era para valer, e não apenas um truque de publicidade, o que levou à rápida recuperação das vendas.

Jório Dauster, presidente do IBC, e Carlos Barcelos Costa, presidente da ABIC,
no lançamento do Selo de Pureza ABIC, em 1989

JC – Como surgiu a ideia de criação do Funcafé?

Jório Dauster – O Funcafé surgiu da necessidade de financiar a compra do excesso de safra num momento em que o Tesouro não tinha condições de arcar com tais despesas. Sem falsa modéstia, foi uma iniciativa pessoal minha que recebeu o apoio do Ministro Mailson da Nóbrega e de outras autoridades financeiras do país. É motivo de grande orgulho pessoal que ainda hoje, passados trinta anos, o Fundo continue a ser um instrumento fundamental de financiamento para a cafeicultura, que não teria igual amparo caso precisasse disputar recursos a cada ano com outros setores agrícolas.

JC – Existe algum outro fato marcante, durante sua gestão, que gostaria de ressaltar?

Jório Dauster – Há pelo menos dois outros fatos marcantes. Durante minha gestão, tivemos de suspender definitivamente as cláusulas econômicas do Acordo Internacional do Café diante das pressões que, orquestradas pelos Estados Unidos, eram feitas para diminuir a quota brasileira, o que se somava às distorções crescentes causadas pelo mercado de não-membros. Neste caso, foi como se eu tivesse de liquidar um animal de estimação quer vira nascer um quarto de século antes. Internamente, lutei muito – e com sucesso – para eliminar diversas práticas irregulares que haviam se instalado na Autarquia.

JC – Na sua trajetória diplomática o senhor acompanhou de perto as tratativas para um acordo Mercosul x União Europeia, que finalmente saiu agora em 2019. Como o senhor avalia esse acordo para o setor cafeeiro? 

Jório Dauster – As primeiras tratativas relativas ao Acordo Mercosul-UE foram empreendidas enquanto eu chefiava a Missão do Brasil junto ao que ainda era, em meados da década de 1990, a Comunidade Econômica Europeia. Como estou afastado do dia a dia do Itamaraty há muitos anos, não conheço os detalhes do que foi agora negociado, mas estou certo de que as exportações de café serão beneficiadas no instrumento a ser implementado nos próximos anos.  

JC – Como consumidor de café quais são seus hábitos? Prepara seu próprio café? Coado ou Espresso? 

Jório Dauster – Eu e minha esposa tomamos diariamente, pela manhã, uma caneca grandinha de café coado e sem açúcar, embora também tenhamos à disposição uma máquina de espresso. Fora de casa, hoje prefiro o espresso, sobretudo ao final das refeições.  

JC – Gostaria de deixar uma mensagem ao industrial de café?

Jório Dauster – Tenho grande admiração pela ABIC – e aqui faço uma homenagem especial ao Américo Sato, que já nos deixou, pois desde a criação do Selo de Pureza de Café encontrei nele as qualidades dos outros dirigentes da Associação com quem me relacionei.

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